Saturday, June 03, 2006

Ânimo e Exigência, precisam-se

"Teixeira dos Santos está a reformar o Estado do século XX, quando deveria estar a lançar os alicerces do Estado que o país precisa para o século XXI." É com esta frase que termina o editorial de ontem do Jornal de Negócios. Concordo com tudo o que lá é dito. Mas, mais que isso, acho que a ideia geral do texto pode ser extrapolada para a caracterização da condução da política geral deste governo.
Como todos sabemos, o actual governo, mais especificamente o primeiro-ministro, usufrui neste momento de condições para agir dificilmente obtidas no passado e, prevê-se, no futuro. Como Belmiro de Azevedo disse no último Prós e Contras, Sócrates tem controlo sobre o partido, o partido tem maioria absoluta e grande parte da sociedade concorda com a orientação das suas políticas (a parte que não concorda compreende e aceita).
Ora, que melhor oportunidade para se lançar os alicerces do Estado do século XXI? É verdade que Sócrates está no bom caminho; mas vai à velocidade necessária? Eu diría que Sócrates está numa auto-estrada (pelas condições que se disse), mas conduz o país a 50 km/h. Qual é a reacção do país a isto? Compreensivo, o país diz: "Está no bom caminho"; e por aí se fica. Todos concordamos que o governo vai no bom caminho e isto, em Portugal, é razão para não se exigir mais nada.
Na minha opinião, estamos perante mais uma manifestação da cultura de mediocridade que reina no nosso país, quando devia dominar uma cultura de excelência, de exigência. Continuemos assim, e nos próximos anos cresceremos a uma média "razoável" (segundo dizem) de 2,5% ao ano e seremos ultrapassados pelos novos estados-membros da UE. E a UE que, ainda que não tão acentuadamente, partilha desta cultura da mediocridade, será ultrapassada pela Àsia.
Traço um cenário pessimista, mas tenho sempre esperança que o país acorde e passe a exigir ao governo aquilo que nós sabemos que é possível fazer. Para isso escrevi este post.

7 Comments:

Blogger Luis Oliveira said...

Epah, discordo completamente. E nem preciso de ir muito além.

É inacreditável o número de argumentos, alguns deles fracos, que se arranjam só para deitar abaixo quem usufrui de um lugar merecido no Governo. Escandaloso, até.

Andam idealistas de direita a veicular por aqui e por ali o que seria o ideal, o desejável, o perfeito... mas dizem-no agora que um governo socialista gere o Governo. Dizem-no agora, mas calaram-se quando foram governos de direita que não faziam estas mesmas coisas. Dizem-no agora, porque lhes serve, e porque é politicamento correcto (e muito bonito, diga-se) apoiar uma defesa de progresso para um país que tem estado em clara decadência, não desde agora, mas desde há muitos anos.

Não anda o ministro das Finanças a realizar as obras orçamentais e de Estado para o século XXI, centrando-se apenas nas do século XX... Porquê? Mais alguém fez? Mais alguém se lembrou? Ou dizem-no agora porque dá jeito ter uma crítica negativa quando tudo corre bem?

Esquecem-se também que é perigoso colocar o carro à frente dos bois. Sócrates anda a 50km/h porque se for mais rápido, pode ser prejudicial. Chama-se continuidade. Defender o progresso é muito bonito, mas fazer tudo a seu tempo também é. Acontece que não se prepara para o século XXI porque há muita porcaria a ser corrigida para essa preparação para o futuro ser possível. Realmente não vos entendo: este Governo é preso por ter cão e por não ter; se não se queixam de andar demasiado rápido (com tanta reforma) queixam-se de andar demasiado devagar.

Resumo: tretas. Tretas e mais tretas. E não fui eu que comecei este debate com bases partidárias.

June 04, 2006 2:40 AM  
Blogger Luís Araújo said...

Vejo o que queres dizer com isso. Que eu não critiquei o governo de Durão Barroso quando ele fez menos do que aquilo que o actual governo está a fazer. Admito que é verdade, mas explico porquê.

Em 2002, quando entrou para o governo Durâo Barroso, o país não sabia que estava de tanga. Ou, se sabia, não fazia ideia do que era preciso fazer. Manuela Ferreira Leite e Durâo Barroso disseram o que era preciso fazer. Imediatamente metade do país, ou mais, levantou as suas vozes contra a direita liberal que aí vinha. Ora, numa situação dessas, naturalmente, seria insensato eu criticar o governo por fazer pouco (fez pouco, de facto). A prioridade nesse momento era convencer o povo de que aquela orientação política era necessária.
Depois de termos o povo convencido do que era preciso fazer e o governo em posição mais favorável para agir, eis que Durão Barroso abandona o governo, deixando o país nas mãos de Santana Lopes. Quanto a isto, por exemplo, já não me podes acusar de não ter criticado. Foi um acto irresponsável de Durão Barroso; não pelo facto de sair do governo em si, mas por fazê-lo sabendo que a seguir entraría Santana Lopes.
Eu sei que isto é um pouco de lavangem de roupa suja, mas não nos podemos esquecer de analisar as condições políticas: Durão Barroso não tinha total controlo do partido (Santana Lopes tinha tido 30% na eleições à liderança pouco tempo antes); o partido não tinha maioria absoluta, tendo sido "obrigado" a coligar-se com o PP, liderado na altura por Paulo Portas; a ajuda que o Presidente da República dava ao governo era dizer que "havia vida para além do défice" (esta afirmação não é mentira, mas politicamente tem um significado e não deveria ter sido dita naquele período; só deu ânimo aos sindicatos, amigos do imobilismo do Estado); por fim, como já disse, a população não estava receptiva a este tipo de medidas.
Perante esta situação, qualquer simpatizante do PSD sente necessidade de dar apoio ao governo em vez de ajudar ao coro de críticas.

Hoje, a situação é completamente diferente. Até os sindicatos parecem concordar com as medidas liberalizantes do governo (principalmente a UGT). Toda a gente aceita que a política actual se deve orientar por dois vectores essenciais: liberalização, ou desgovernamentalização da economia; e emagrecimento do Estado.
Felizmente, o governo segue essas linhas e tem todas as condições para o fazer o melhor possível.
Mas isto é razão para eu deixar de o criticar?
Eu acho que o país, numa atitude típica portuguesa, entrou num estado de despreocupação, quase letargia. Constatou que o governo está bem encaminhado e acha que agora é uma questão de tempo para chegarmos a bom porto.
Foi neste cenário que eu vim dizer que, depois de encaminhado o governo, está na hora de o obrigar a chegar ao bom porto mais rápido. Se não o fizermos, quando lá chegarmos, o bom porto já é outro e já estaremos atrasados para o novo arranque.

"Realmente não vos entendo: este Governo é preso por ter cão e por não ter; se não se queixam de andar demasiado rápido (com tanta reforma) queixam-se de andar demasiado devagar." Continuando com metáforas, eu não estou a prender o governo. Estou a dizer que a sociedade tem de o obrigar a fazer mais e melhor daquilo que ele faz. Aliás, no post não critico o governo. Critico a sociedade.

Concluo lembrando aquela afirmação típica, e verdadeira, em política que diz que se um governo não é criticado, acomoda-se. Antes, quando um governo recebia críticas de sobra, eu ajudei na sua base de apoio. Hoje, a base de apoio ameaça ser grande de mais e a oposição muito fraca. Isto é perigoso. Há que mostrar ao governo que a sociedade está atenta e mais tarde vai exigir resultados.

June 04, 2006 5:14 PM  
Blogger Luís Araújo said...

Só depois de publicar o comment é que me lembrei da melhor forma de resumir tudo o que disse numa frase.
Eu não quero com isto criticar o governo; quero impulsioná-lo, catalisá-lo.

June 04, 2006 5:19 PM  
Blogger Luis Oliveira said...

Mas repara: não se "catalisa" um Governo ao lhe pedir para fazer mais do que aquilo que é desejável: nem 8 nem 80. O Governo tem feito muito coisa boa, e muito bem; andar mais rápido do que esta velocidade seria, de forma perigosa, apoiar-se em estruturas não-construídas. Sim, aquelas estruturas de que os de direita tanto gostam de mencionar, a de que sem diminuição da função pública, o Estado não tem sustentabilidade, e por isso essa é a prioridade.

A questão do timing também é engraçada e mete-se sempre no meio, pois é um aspecto que acaba sempre por ser favorável a qualquer defesa de crítica negativa. Durão Barroso ia no bom caminho quando saiu; começou bem, mas não terminou. Santana Lopes estragou tudo quando veio, e negligenciando isso, veio Sócrates, que inteligentemente continuou com a política económica de MFL. Se há aqui alguém que deve ser criticado (mas agora já de nada vale, pois já o foi e muito) era Durão Barroso, que abandonou o barco que se propôs a dirigir. Esse devia ser o alvo. Mas não. O discurso do progresso legitima qualquer crítica. Pergunto-me eu se, caso Durão estivesse ainda no Governo com uma política idêntica a esta (cujo mandato terminaria este ano, salvo erro), se seria alvo das mesmas críticas que foram mencionadas nessa coluna do Jornal de Negócios...

É o que eu digo: a mania das ideias com bases-partidárias.

P.S.:
"Concluo lembrando aquela afirmação típica, e verdadeira, em política que diz que se um governo não é criticado, acomoda-se."

Isto só vem ajudar à ideia que quiseste transmitir. Que conveniente: uma crítica em forma de preocupação. Duvido muito que um Governo empenhado em reformas estruturais e determinado em fazer a mudança, o esteja a fazer sem que tenha qualquer tipo de intenção de lançar o tal progresso que mencionas. Quem se acomodou foi quem não fez o que era preciso quando teve a oportunidade.

Resumo:
Sejamos pragmáticos: o país precisava de mudar e precisava de reformas feitas por alguém com mão-de-ferro e sem qualquer receio de destronar interesses instalados. Chegou esse alguém e, como é demasiado bom para ser verdade no nosso Portugal, esbarram com a questão do timing para se defenderem do facto de não terem feito isso antes.

June 04, 2006 6:01 PM  
Blogger Luís Araújo said...

Eu acho que manifestei claramente a minha posição em relação à irresponsabilidade de Durão Barroso quando saiu do Governo. Por isso, não sei porque insistes nessa questão. Quanto ao timing, não é mera retórica. Em política, o timing é essencial para uma aplicação eficaz das medidas. Achas que Durão Barroso, não tendo controlo total sobre o partido nem maioria absoluta, conseguiría iniciar uma reforma da administração pública em 2002? Ainda assim, conseguiu a reforma do Código de Trabalho e, mais importante que isso, conseguiu mentalizar a sociedade de que precisamos de uma política liberalizante da economia e emagrecedora do estado. Nem tudo o que fez foi perfeito, mas Sócrates usufrui hoje dos resultados deste esforço de mentalização. O meu receio é que não os aproveite.

"Pergunto-me eu se, caso Durão estivesse ainda no Governo com uma política idêntica a esta (cujo mandato terminaria este ano, salvo erro), se seria alvo das mesmas críticas que foram mencionadas nessa coluna do Jornal de Negócios..." Podes ter a certeza que sim. Seriam as críticas do Jornal de Negócios (talvez menos, é verdade), a acrescentar às críticas dos sindicatos (que sem dúvida seriam mais). Mas, mesmo assim, não vejo qual é o problema da crítica, principalmente quando é construtiva. Repito: quando não há crítica, o governo acha que a sociedade dorme e acomoda-se.

"sem diminuição da função pública, o Estado não tem sustentabilidade, e por isso essa é a prioridade." Não podíamos estar mais de acordo. Esta é a prioridade, e é a isto que me refiro quando digo que o governo tem de fazer mais. É também a isto que o Sérgio Figueiredo se refere. A preocupação é a seguinte: é urgente uma reforma profunda da administração pública, mas todos sabemos que isso é difícil de levar a cabo; portanto, há que iniciá-la o mais rápido possível, antes que as condições hoje favoráveis deixem de o ser. Como Medina Carreira disse, dentro de 1 ano e meio, faltará um ano para as eleições legislativas e nenhum governo, por mais bem intencionado que seja, inicia uma reforma destas tão próximo das eleições. Ou seja, o prazo para se fazer a reforma é de um ano e meio e, sendo ela um processo relativamente demorado, deveria começar já. Mas ela não começará enquanto a sociedade estiver adormecida, enquanto a sociedade mostrar preferir o imobilismo. Sócrates, político exímio, deve estar, neste momento, hesitante, equacionando se será melhor manter a sociedade adormecida, fazendo algumas coisas pontuais e mantendo o capital político até às eleições; ou acordá-la e sofrer um período de forte contestação. O que nós, pessoas que concordamos com o caminho do governo, devemos fazer é dar um sinal ao governo de que ele pode contar com o nosso apoio quando decidir enfrentar a outra parte da sociedade, a parte do imobilismo e estatismo.

Mas, no fundo, a única diferença que noto nas nossas opiniões é que tu achas que não é possível andar mais rápido. Eu acredito que, mais do que possível, é urgentemente necessário. Isto leva a que eu faça estas críticas e que tu as aches despropositadas e causadas por motivações partidárias.

June 04, 2006 7:04 PM  
Blogger Luis Oliveira said...

Não. A diferença essencial está aqui:

"Quanto ao timing, não é mera retórica. Em política, o timing é essencial para uma aplicação eficaz das medidas. Achas que Durão Barroso, não tendo controlo total sobre o partido nem maioria absoluta, conseguiría iniciar uma reforma da administração pública em 2002? Ainda assim, conseguiu a reforma do Código de Trabalho e, mais importante que isso, conseguiu mentalizar a sociedade de que precisamos de uma política liberalizante da economia e emagrecedora do estado. Nem tudo o que fez foi perfeito, mas Sócrates usufrui hoje dos resultados deste esforço de mentalização. O meu receio é que não os aproveite.
"

É isto que eu protesto. É esta ideia de que a razão pela qual Sócrates tem conduzido as suas políticas da forma como a tem feito, se deve não a mérito dele mas a um esforço de consciencialização de Durão Barroso no tempo dele.

June 04, 2006 9:28 PM  
Blogger Luís Araújo said...

Não sei se me fiz entender mal, mas nunca quis retirar o mérito a Sócrates pelo que tem vindo a fazer. Santana Lopes também usufruía dos resultados do esforço de mentalização e simplesmente desbaratou-o. Ou seja, há mérito em saber utilizar o que se tem.
Além disso, é precisamente por achar que Sócrates é um bom político que me sinto no direito de exigir mais dele. Mas ele não vai dar mais do que a sociedade pede. Eu estou a pedir, digamos... E a incentivar o pessoal a pedir também.

June 04, 2006 11:34 PM  

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