Wednesday, July 12, 2006

Racionalidade

A deslocalização da fábrica da General Motors (GM) na Azambuja é uma perda para todo o país, por afectar a actividade económica, e especialmente para os trabalhadores que agora ficarão desempregados.
Provavelmente, todos concordaremos que esta deslocalização, depois dos apoios dados pelo Estado português, não é um exemplo de ética, moralidade e lealdade. Ao que parece, juridicamente, este acto da GM também é reprovável por violação de obrigações contratuais. Simplificando, a atitude da GM é condenável por razões valorativas e por razões jurídicas.
Deixando o caso concreto e analisando o tema ao nível geral do funcionamento das empresas, tenho a dizer que estas não agem, nem são obrigadas a fazê-lo, de acordo com critérios de ética, moralidade e lealdade. As empresas agem com base em contas, números, numa sociedade juridicamente regulada.
Ética, moralidade e lealdade devem ser exigidas às empresas na estrita medida em que o Direito também o exige, pois, para quem não sabe, no Direito há um mínimo ético, aquele conjunto de valores éticos e morais que devem ser exigidos na sociedade a toda a gente, na mínima medida necessária. As empresas não têm uma consciência moral que as condene a si mesmas, como a nós, humanos, acontece quando fazemos algo moralmente inaceitável.
Portanto, e voltando ao caso concreto, é inútil fazer juízos valorativos acerca da deslocalização da GM. Simplesmente, a GM fez contas e concluiu que compensa deslocalizar a produção do Combo para Saragoça. A GM não pondera se isso é moralmente aceitável ou não. Quando muito, os gestores poderão fazê-lo, não a empresa. Ou o departamento de marketing pode achar que atitudes moralmente condenáveis prejudicam a imagem da empresa, mas aqui já se trata outra vez de contas; é uma questão de ver se os custos na imagem retiram a vantagem económica do acto imoral.
Mas, mais que inútil, é contraproducente. Estes juízos valorativos perturbam a racionalidade das contas e causam uma espécie de miopía. Quem os faz, pensa imediatamente em fazer tudo para impedir esta deslocalização, pensa em vingar-se da deslocalização e pensa em criar mecanismos para evitar futuras deslocalizações de outras empresas. Isto é miopía porque, quem o faz esquece-se (não vê) que, a médio e longo prazo, tais atitudes agressivas e legislação restritiva terão como consequência a diminuição da competitividade da economia, com cada vez menos multinacionais a quererem investir em Portugal.
Dito isto, gostaría que várias pessoas, a começar pelo Primeiro-Ministro, parassem de fazer juízos valorativos acerca da deslocalização, deixassem de dizer que o Estado vai fazer tudo para recuperar os apoios que deu e acima de tudo, que deixassem de o fazer com tanta agressividade e tanto alarido.
O Estado deve limitar-se a exigir em tribunal apenas o ressarcimento dos prejuízos que o alegado incumprimento contratual terá causado, evitando usar o tribunal como uma arena em que as imoralidades da malvada multinacional serão vingadas.
Vendo bem, Portugal lucrou com a presença da GM na Azambuja, mesmo que ela saia antes de terminado o prazo definido pelo contrato. Por isso, há que ter cuidado nestas questões. É preferível que multinacionais se instalem no país por menos tempo que o desejável, do que haja menos multinacionais instaladas mas uma deslocalização bem vingada.


Adenda: Aqui está um exemplo de agressividade desnecessária. Parece uma declaração de guerra.

6 Comments:

Blogger Joao A. Correia said...

Seria utópico exigir a grupos económicos que não adoptassem uma racionalidade económica. Uma racionalidade que cujo objectivo é prossecução do princípio do máximo resultado, e do princípio da economia de meios.
Vivemos sob o governo dos gestores, em que os Estados mais pequenos se digladiam para agradar aos grupos económicos, contudo esses mesmos grupos não têm qualquer pejo em rescindir um contrato para aceitar uma proposta mais vantajosa. Por mais que custe, temos que aceitar que a racionalidade dos gestores não irá mudar, a sua responsabilidade é perante a empresa e não perante o estado.
Exigir aos gestores que sejam filantropos é uma quimera, guerrilhar sob o mote da ética e dos valores é bonito mas pouco eficaz. Tal como dizes Luís, resta apenas ao governo exigir perante o tribunal aquilo a que tem direito perante o incumprimento contratual da GM.

July 13, 2006 2:43 PM  
Blogger Eduardo Barroco de Melo said...

Concordo. Tanto com o texto, como com o comentário do João.
De facto, no domínio empresarial, tudo gira em volta do lucro, mesmo esses "níveis mínimos de ética", aos quais o Luís se referiu. Por esse motivo, é de difícil compreensão como é que muitas pessoas ainda tentam "parar" estas deslocalizações com argumentos relacionados com a racionalidade humana e não a racionalidade económica.
Faz-me lembrar os velhos e gastos argumentos de Jerónimo de Sousa, que quase sempre que aparece na TV, culpa o governo por deixar "morrer" o sector têxtil em Portugal, quando já se sabia há 30 anos que isto iria acontecer, devido ao desenvolvimento do país. E não é só o sector têxtil, muitos outros serão afectados, e esta indústria de produção de automóveis e/ou componentes para os mesmos, que tem uma certa importância em Portugal, é outra que irá desaparecer com o tempo. É uma questão de adaptação a novas realidades.
Quanto à atitude do Governo, pode-me ter escapado algo, mas não li nada que referisse a tentativa de ressarcimento dos apoios dados. Apenas se refere à cobertura de prejuízos (incumprimento contratual).
De resto, refere-se ao facto de a atitude da GM ter implicações além-fronteiras, sem no entanto referir em que é que esse sublinhar se reflectirá.

July 17, 2006 2:52 PM  
Blogger Luis Oliveira said...

Em relação à queda do movimento empresarial no âmbito dos têxteis, e agora dosector automóvel, é acertado afirmar que isso seria já previsível. Mas também não será mentira que, dado o carácter de previsibilidade, seria também possível fazer algo em relação a isso.


Portugal sabia da liberalização do comércio dos têxteis (e peço desculpa por fugir ao tema principal, mas é só um exemplo) desde há mais de 10 anos, e nada fez em relação a isso. Quando digo "Portugal", não digo só Governos Portugueses. Não estarei a desresponsabilizá-los pela inércia sucessiva nesta matéria, mas têm de facto uma quota-parte de responsabilidade. Bem assim, também os empresários têxteis não se podem queixar de nada: contem-se as empresas desse ramo que investiram em I&D, inovação e registo de patentes; e contem-se as que se mantiveram na mesma. O rácio obtido deste raciocínio é astronomicamente pequeno. E no entanto, ainda ficaram com notas no bolso.

Portanto, é certo que era previsível a saída da GM, mais tarde ou mais cedo: eles não iam ficar aqui muito tempo, qualquer um deveria ter noção disso. Há alternativas mais económicas e vantajosas. Por outro lado, não foi aproveitada [pelos Governos] a posição geo-estratégica altamente favorável que Portugal tem. Daqui se depreende mais uma vez uma mea-culpa.

Agora digam-me: ninguém fez nada para melhorar a situação, e o crescimento económico Português foi desmesuradamente mal aproveitado. Acham mesmo que eles iam ficar cá? Naturalmente que não. Preparem-se é para mais falências e deslocalizações; se aqui aconteceu isto, aí quero ver o escândalo... Eu cá acho que eles foram é nossos amigos, já podiam ter saído há mais tempo se quisessem, daí que culpá-los de falsa moral é... imoral. Tenho dito.

July 17, 2006 3:41 PM  
Blogger Eduardo Barroco de Melo said...

Sim, mas em que é que a posição nos seria benéfica? Não é relativamente fácil transportar o que quer que seja?
E era difícil fazer algo, digo eu, porque o problema é o aumento do custo de mão de obra, devido ao desenvolvimento do país. A não ser que parássemos.
Não sei, são questões às quais não tenho grande competência para responder. Tu poderás esclarecer isso melhor do que eu.

July 17, 2006 11:23 PM  
Blogger Luis Oliveira said...

Então, não é importante? Mas claro que é!

A posição geo-estratégica portuguesa oferece um sem-número de potencialidades que não se vêem a ser aproveitadas.
- Ainda está por fazer a modernização dos principais portos marítimos. O transporte marítimo deveria ser o mais importante num país como o nosso, todo voltado para o mar, e o primeiro ponto europeu no Oceano Atlântico. Estamos mais perto dos EUA, e apanhamos com montes de rotas África-Norte da Europa, bem como América-Médio Oriente. Por que razão não aproveitamos isso? Os navios preferem ir antes a Espanha ou à França - mais barato, menos burocracia, mais seguro... E andamos nós a ver navios, literalmente.
- Ainda no mar... este tem um potencial enormíssimo, quer em matéria de recursos piscatórios, quer em desenvolvimento de potencialidades marítimas. Portugal não exerce a sua autonomia na ZEE que detém. Quando não a tiver (se for o caso), vai chorar por não a ter, e por nada ter feito.
- Portugal é o ponto ocidental da UE: é o portal de entrada de mercadorias e passageiros. Mas é vantajoso? Oferece condições para ser anfitrião de alguma coisa? Não.
- Portugal tem um clima excelente, devido à posição. Depois do investimento desenfreado e impensado das zonas urbanas do Algarve, alguém ainda gosta de ir lá? É caro, não evolui, há sobre-construção, insuficiência de recursos hídricos,... quem gosta de ir lá, ou é por amor, ou por necessidade. 100Km mais a leste tem outras condições muito melhores, e mais baratas. Mas alguém se preocupou com isso? Alguém aproveitou as fantásticas paisagens/monumentos nos recônditos do nosso interior? Alguém incita ao turismo verde/rural? Não.
- ...

E por aí fora. Acabei de responder no post da extrema-direita... escrevi tanto que já cansei. Hoje chega.

July 19, 2006 12:10 AM  
Blogger Eduardo Barroco de Melo said...

Sim, com isso concordo. Não pûs em causa essas potencialidades, pensei que estavas a falar em relação à indústria têxtil.

July 25, 2006 3:50 PM  

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